os últimos dois anos, muito se tem falado sobre os benefícios que o trabalho remoto tem trazido para os colaboradores e para as empresas. Para que este modelo de trabalho funcione, o colaborador precisa de sentir que o seu líder confia nele desde o primeiro dia de trabalho, aumentando o seu sentido de pertença e tornando o compromisso com a organização ainda maior.1
Bons líderes geram bons níveis de saúde mental nos seus colaboradores. Por outro lado, líderes inseguros e com necessidade de controlo geram maiores níveis de stress e menor produtividade nos colaboradores, tal como salienta o II Relatório “Custo do Stress e dos Problemas de Saúde Psicológica no Trabalho”, da Ordem dos Psicólogos Portugueses.2
A sensação de liberdade no trabalho à distância será ilusão ou realidade?
A resposta a essa questão vai depender do grau de compatibilidade das características pessoais, tanto do colaborador como do líder, com esta modalidade de trabalho. Uma importante característica do líder que pode contribuir para a sensação de liberdade no trabalho à distância é o tipo de liderança.
Neste sentido, quando se exerce uma liderança segura e democrática à distância, deixa de haver a necessidade de “picar o ponto” com chamadas às 9h00 e às 18h00. E isso não afasta as pessoas - pelo contrário, aproxima-as.
Uma liderança segura tende a evitar longas reuniões com o fundamento de controlar ou fornecer vastas informações. Se for necessário reunir, é importante que exista um objetivo específico e justificável. Possivelmente, um e-mail ou uma mensagem de Slack simples e objetiva será mais eficiente.
Nesta linha, reuniões práticas, breves e bem estruturadas tornam-se mais atrativas para os colaboradores. Em contraste, quanto mais longas são as reuniões, menos claras e objetivas se tornam e menos “sumo” se retira, além do tempo que “roubam” às outras tarefas, que são tão ou mais importantes para o resultado final. Planear um kick-off de breve duração e bem esquematizado para validar ideias, prazos ou objetivos é, portanto, meio caminho andado para motivar equipas e ganhar mais tempo para executar e produzir.
A par dos momentos em que é necessário juntar a equipa para definir os passos seguintes e envolver todos os elementos nas decisões, os colaboradores agradecem toda a liberdade para produzirem ao seu ritmo e nos horários em que rendem mais. É fundamental dar a oportunidade aos colaboradores de serem mais autónomos e proativos na necessidade de estabelecer contacto com os seus líderes.
Numa altura em que a flexibilidade é a palavra de ordem para a felicidade organizacional, também é importante estarmos cientes de que não funcionamos todos da mesma forma: enquanto algumas pessoas acordam “com as galinhas” e são mais matinais, outras são mais criativas no silêncio da noite ou produzem à velocidade da luz num final de tarde.
O trabalho remoto tem também a vantagem de poder acolher colaboradores de qualquer parte do mundo, onde o sol não nasce à mesma hora e onde os horários laborais podem ser muito variáveis dependendo do fuso horário em que estamos.
Um gestor de projeto ou um gestor de equipa pode ter pessoas a trabalhar enquanto está a dormir, e assim que acorda pode ter elementos da sua equipa que entram no seu período de descanso. Embora esta gestão possa vir com os seus desafios, é bastante possível.
Mais uma vez, o segredo é a flexibilidade, desta vez aliada à comunicação assertiva. Tanto o colaborador como a sua equipa podem combinar um período comum do dia ou da semana para responder a e-mails, comunicar ideias, esclarecer dúvidas ou atualizar informações em reuniões bem planeadas. Esta realidade é muito diferente de estar um mínimo de oito horas diárias online "só porque sim." No final do dia, o que conta é a sensação de liberdade para criar mais e melhor.
Normalmente, quando há liberdade, há motivação. E, quando há motivação, há produtividade. A premissa de um bom líder em trabalho remoto ou híbrido deverá ser sempre confiar em vez de controlar.
Se o colaborador for competente, será ainda mais competente se não se sentir em constante monitorização. Por outro lado, se o colaborador não for muito eficiente na ausência de controlo, poderá ser necessário que o líder aborde esta questão junto do mesmo, de uma perspetiva franca e transparente, para que possam tomar decisões ou encontrar soluções em conjunto.
Respondendo então à questão inicial: sim! É possível sentir liberdade enquanto se trabalha a partir de casa. A distância física pode existir, mas líderes e colaboradores podem sentir-se próximos, por vezes até mais do que se estivessem a trabalhar do mesmo espaço físico. Para que esta realidade não se torne uma ilusão, é fundamental que exista uma liderança capaz de confiar, comunicar e flexibilizar. Só nessa situação os líderes conseguem filtrar verdadeiros talentos e tomar consciência daqueles que foram uma excelente contratação para a sua equipa.
1Fernandez, P.C. & Rajan, A.P. (2015). Is it important to have pride and a sense of belonging to the organization one works in?, International Journal of Management Research & Review, 5(8), Nº5, 629-635.
2Ordem dos Psicólogos Portugueses (2023). Prosperidade e Sustentabilidade das Organizações –Relatório do Custo do Stresse e dos Problemas de Saúde Psicológica no Trabalho, em Portugal. Lisboa.